Salvador/BA
Fernanda Proença (UFOP)
Miguel Gally (UNB)
Pedro Franceschini (UFBA)
Rafael Azize (UFBA)
Rosa Gabriella Gonçalves (UFBA)
Vladimir Vieira (UFF)
Apresentação
Desde seu surgimento, no século XVIII, a estética parece resistir a definições unívocas. Como designação de uma disciplina filosófica autônoma, o termo Aesthetica é cunhado originalmente por Baumgarten para delimitar uma ciência própria aos objetos das faculdades ditas “inferiores”, ligadas à sensibilidade – ressoando a etimologia grega, aisthēsis, referente à percepção sensível. Mais do que resultado de um gesto isolado ou autoral, no entanto, esse novo campo era delineado a partir de uma série de investigações teóricas e críticas sobre o gosto, a beleza e as artes, em um amplo movimento da modernidade de abertura e revalorização de espaços da experiência subjetiva que não se deixavam facilmente reduzir à figura de uma racionalidade predominantemente matemática e analítica, com seu paradigma de clareza e distinção. Seja como filosofia do conhecimento sensível, filosofia do belo ou filosofia da arte, a estética é assim marcada pela tensão entre a exigência filosófica da universalidade e a singularidade de objetos e experiências irredutíveis à abstração, dando-lhe um caráter bastante heterogêneo, polissêmico e mesmo indefinido quanto a seus temas, problemas e acepções, sobretudo quando contrastada a disciplinas filosóficas como a teoria do conhecimento e a ética, cujas fronteiras, inclusive, ela não deixa de tocar e confundir.
Em sua íntima e originária vinculação à sensibilidade, a estética propõe inicialmente uma reconsideração do papel dos sentidos, contrária ao mero rebaixamento dominante em certas tendências racionalistas e idealistas, nas quais eram usualmente taxados como fonte de erro, ilusão e imoralidade. Concebidos como fonte de um conhecimento específico, dotado de dignidade própria, abre-se à filosofia uma outra avaliação dos órgãos sensoriais e dos sentimentos, incluindo instâncias que vão do prazer até a imaginação e a memória, ampliando igualmente as possibilidades de consideração filosófica da arte, da beleza e de fenômenos afins. De maneira complementar, essa experiência sensível, concebida esteticamente como espaço autônomo, torna-se também um lugar de crítica da figura tradicional da razão e de reconfiguração da filosofia.
Essa ampliação mesma indica, todavia, que o foco nos sentidos – na sensibilidade – logo se revela apenas um dos sentidos – acepções – possíveis da estética. Passando a refletir não apenas acerca da natureza do gosto e do prazer estético, a partir da perspectiva da recepção e dos efeitos sensíveis, ela se volta também para investigações acerca da criação, da crítica de arte e, mais recentemente, da curadoria, de modo que a ênfase inicial no sujeito e nos seus sentimentos sobre o belo e o sublime, ou sobre seus juízos de gosto, abre espaço para a reflexão sobre o sentido ou significado da própria arte e das obras, podendo tanto justificar estilos e gêneros específicos quanto discutir o papel teórico da arte como instituição.
Hoje, podemos pensar que a estética, como disciplina filosófica, inclui diversas estéticas, que podem ser associadas aos filósofos que as conceberam, ou ao período no qual foram concebidas. No século XX, teorias estéticas foram elaboradas no interior de tradições intelectuais tão diferentes quanto a fenomenologia, a semiótica, o estruturalismo, a hermenêutica, a filosofia analítica, o marxismo, o feminismo, dentre outras, bem como o termo “estética” passou a abarcar uma grande diversidade de questões particulares, transversais e interdisciplinares. No debate contemporâneo, a própria atenção à sensibilidade e aos sentidos retorna de maneira decisiva, tanto para formular e interpretar novas experiências artísticas, como para reorganizar e problematizar relações da estética à política e a processos de subjetivação, principalmente no tocante a questões do corpo, memória, identidade, tecnologia e (novas) mídias.
Procurando promover o debate em torno de questões concernentes à estética, a partir de sua própria polissemia, o Congresso Internacional propõe a abordagem de alguns desses aspectos, seja de maneira independente, seja mediante os diálogos possíveis entre eles.