7º Colóquio Internacional Filosofia e Ficção
A arte da vingança
De 17 a 20 de agosto de 2015
Ouro Preto/MG
Comissão Organizadora
Imaculada Kangussu (UFOP)
Lorena Ferreira (UFOP)
Maria Cecília de Miranda N. Coelho (UFMG)

Apresentação

O VII Colóquio Internacional Filosofia e Ficção, cujo tema é “A Arte da Vingança,” teve como objetivo decifrar e apresentar intersecções entre filosofia, psicanálise, literatura e outras formas de artes. Vingança, considerada como represália, retaliação, reparação, retribuição, é um desejo e uma ação presentes nas representações do espírito humano desde seus primórdios. Heróis vingativos e heroínas vingativas, tanto divino/as quanto mortais, são figuras constantes no universo mitológico.
No imaginário clássico, com o crime inaugural de Kronos, que castra o pai, Urano, com uma foice fornecida por sua mãe, Gaia, para libertá-la do desejo insaciável de Urano e possibilitar a origem do cosmos, vê-se a instauração de um interminável ciclo de vinganças: das gotas do sangue de Urano brotam as Erínias, nas palavras de Vernant, “as divindades da vingança pelos crimes cometidos contra consanguíneos. As Erínias representam o ódio, a recordação, a memória do erro, a exigência de que o crime seja castigado” (VERNANT, O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Cia das Letras, 2000; p.25).
“A mim pertencem a vingança e a recompensa”, são palavras do Deus Javé presentes na Bíblia e na Torah (Deuteronômio XXXII, 35). Ao longo do Antigo Testamento, existe um Deus vingador – de maneira parcial, como no caso dos adoradores do bezerro de ouro; contra a totalidade, como aconteceu com os egípcios que, por perseguirem os filhos de Israel, foram todos afogados no Mar Vermelho, e com os habitantes de Sodoma, que pereceram todos. O Livro de Amós é uma descrição das terríveis ameaças de vingança de Javé contra os que se deixam levar pela cobiça sem escrúpulos. Ainda que o cristianismo tenha condenado a vingança – cristãs e cristãos devem oferecer a outra face –, vingar-se é prerrogativa divina mesmo no Novo Testamento: “E Deus não vingaria seus eleitos que por Ele clamam noite e dia? Será que vai fazê-los esperar? Eu lhes declaro que Deus fará justiça para eles” (Evangelho segundo São Lucas, XVIII, 7-8).
A apresentação de um deus intervencionista, fazendo justiça brutalmente, conduz à idéia de que na esfera do divino as injustiças não são esquecidas, ao contrário, são registradas e quando, pelo acúmulo, tornam-se insustentáveis, a “violência divina” explode em vinganças destruidoras. Se, por um lado, um filósofo do porte de Francis Bacon considera a vingança como uma espécie de justiça bárbara (nos Ensaios, em “Da vingança”); por outro, a expressão “violência divina” é dessacralizada e convertida em conceito profano para realizar a justiça como “direito natural” – que Walter Benjamin distingue do direito jurídico, “positivo” (em “Sobre a crítica do poder como violência”). A vingança aparece assim, como uma espécie de justiça, em textos de filósofos contemporâneos, por exemplo, em Eric Santner (On Psychotheology of Everyday Life. Chicago: University of Chicago Press, 2001), Terry Eagleton (Sweet Violence: The Idea of the Tragic. Oxford: Blackwell, 2002), Slavoj Zizek (“Divine Violence”, em Violence. New York: Picador, 2008). Nesses contextos profanos, a chamada “violência divina” diz respeito a deus no sentido do motto latino “Vox populi, vox dei”.
Na dimensão estética, da trágica Medeia, de Eurípides, à contemporânea Beloved, de Toni Morrison, a vingança é tema recorrente, sobretudo na literatura, permitindo à arte realizar impulsos proibidos, via sublimação e consequente catarse. Seja como necessária à justiça, ou como desejo irracional, a vingança e sua representação artística acompanham a história humana. Como se sabe, pulsões recalcadas, reprimidas, não satisfeitas, nem reorientadas ou sublimadas convertem-se em frustração, que facilmente se reconverte em violência. Não se pode impor a uma sociedade um sistema mais racional que os indivíduos que a compõem, é preciso um ajuste – uma espécie de equalização – entre as instituições e os desejos e expectativas dos indivíduos, sob pena de haver uma rejeição do sistema e explosões de violência vingativas. O cinema parece cada vez mais desempenhar esse papel equalizador. Vale a pena mencionar, como exemplo, a obra do aclamado diretor Quentin Tarantino, onde humilhada/os e explorada/os tem sua revanche. Mulheres vilipendiadas em busca de vingança são tema de Jackie Brown (1997), Kill Bill e Prova de Morte (Death Proof, 2007). Em Bastardos Inglórios, nazistas são derrotados e, em Django Livre (2012), o herói liberta-se da escravidão e vinga-se espetacularmente dos dominadores brancos. A conexão com o sofrimento e com a injustiça sofrida pelas personagens leva a platéia ao entusiasmo nas mais sangrentas cenas de vingança. Ao dar poder aos “danados da terra”, a própria arte parece poder revelar-se como vingança.
Diferente desta, outra forma de vingança tem se disseminado, também na dimensão estética – se considerarmos esse adjetivo em seu sentido mais original. Instalado na rotina contemporânea como instrumento de afirmação social, o compartilhamento de imagens pessoais nas redes sociais deu origem ao fenômeno conhecido como revenge porn, “pornografia da vingança”. A expressão nomeia a disseminação de fotos e/ou vídeos íntimos plantados na internet para prejudicar a pessoa em foco.
Consideramos também importante perceber o desejo de vingança presente nos movimentos sociais ocorridos nos últimos anos que algumas vezes encontra expressão no campo da estética, algumas vezes se expressa como violência destruidora. Propomos então pensarmos sobre essa que já foi considerada a “grande arte”, pelo poeta Arquíloco, no século VII a.C.:
Tenho uma grande arte,
Eu firo duramente
Aqueles que me ferem.
(Fragmento 126 W)