Fantasia & Crítica
Ano
2012
Formato
CD-ROM
ISBN
978-85-60537-03-7
Organização
Imaculada Kangussu
Cíntia Vieira da Silva
Opções de leitura

Apresentação

Os textos presentes nesta publicação foram apresentados no Congresso Internacional Fantasia e Crítica, realizado entre os dias 14 e 16 de maio de 2012, no Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, da Universidade Federal de Ouro Preto.
O objetivo principal do evento foi aprofundar e estender as reflexões sobre a relação entre fantasia e crítica.
Desde o seu surgimento no texto filosófico, pode-se perceber como a fantasia aparece ligada à dimensão crítica. O termo surge na fala de Sócrates, através da pena de Platão, para nomear imagens que aparecem na psykhé formadas a partir de percepções sensíveis acompanhadas de opinião (doxa). A phantasía é então uma imagem criada pelo enlace do mundo sensível com a subjetividade. Fica evidente, deste modo, a não objetividade das representações psíquicas do mundo material: a passagem do sensível à abstração é mediada pela opinião. O termo passa por uma série de deslizamentos semânticos, pode significar tanto a capacidade de cria-las quanto as imagens criadas e, ainda na Grécia Clássica, foi um conceito de destaque.
Até a Idade Moderna, fantasia e imaginação foram quase sempre usadas como sinônimo, conforme atestam os esforços de Coleridge em separá-las, fato que acontece a partir das Críticas kantianas, onde “imaginação” (Einbildungskraft) nomeia a faculdade racional capaz de realizar o trânsito entre sensibilidade e entendimento, através de um esquema, uma espécie de caminho ligando fenômenos e conceitos, que opera como uma matriz de inteligibilidade não totalmente explicável, “cujo segredo de funcionamento dificilmente poderemos alguma vez arrancar à natureza e por a descoberto perante nossos olhos”, nas palavras de Kant (KrV A141, B180). Na produção das formas da objetividade, filósofos contemporâneos destacam a existência de paradigmas (Thomas Kuhn), pano de fundo (Donald Davidson), mundo da vida (Husserl), responsáveis por modelar – entre outras muitas coisas, basicamente – o padrão da percepção. Mais uma vez, através de articulações distintas, percebe-se a existência de um terceiro termo na relação entre sujeito e objeto configurador do modo como esta se realiza.
Nos anos 50 do século XX, Marcuse tem a audácia de reunir os então separados conceitos de fantasia e imaginação em um mesmo movimento, mantendo na primeira o duplo sentido de “produto da criatividade” e de “faculdade mental”, esta última no sentido freudiano. A especificidade de sua fantasia aparece no fato de – em vez de fancy ou fantasy, termos correntes em inglês – preferir usar phantasy, marcando a origem grega do conceito. Assim escrita, phantasy aparece como potência crítica e modeladora do devir na medida em que, conforme Freud, traz de volta à tona, por meio de deslocamentos, o que se tenta em vão reprimir.
Nesse caminho, Lacan dá um passo adiante ao assinalar que o Real é impossível de ser alcançado imediatamente e que, a partir dessa impossibilidade mesma, é criada uma rede simbólica – que configura a assim chamada realidade. Na leitura da teoria lacaniana realizada por Zizek, salta aos olhos a dimensão crítica da fantasia como uma construção que permite ao sujeito lidar com o infigurável, com a falta, o vazio, o buraco impossível de ser integrado na ordem simbólica. A fantasia é percebida como uma tela cuja função é esconder esse “nada”.
As reflexões dos pensadores mencionados são temas de alguns dos escritos aqui apresentados, ao lado daqueles cujo foco também se encontra na relação entre fantasia e crítica. Com o intuito de potencializar a inteligibilidade, os textos foram reunidos, segundo afinidades temáticas, nos seguintes grupos: FANTASIA E FILOSOFIA – onde se privilegia o aparecimento do conceito no pensamento de filósofos que sobre ele refletiram, de Aristóteles a Flusser, passando por Leibniz, Kant e Husserl, entre outros; FANTASIA E TEORIA CRÍTICA – no qual encontram-se os ensaios ligados aos filósofos da chamada segunda geração da Escola de Frankfurt, Adorno, Benjamin e Marcuse; FANTASIA E MÚSICA – tema que pela importância merece lugar próprio, mesmo que preenchido por apenas dois escritos; FANTASIA E LITERATURA – assunto que reúne escritores tão diversos quanto Vieira e Lewis Carroll, Machado de Assis e Borges; FANTASIAS E A TECITURA CRÍTICA DA REALIDADE – composto por reflexões sobre a importância da imaginação no modo de configurar o mundo.

Desejamos-lhe uma boa leitura!

Imaculada Kangussu